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sábado, 3 de abril de 2010

Manuelzão

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre
as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando um bêbado.
Eu fotografei este carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na
Pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um zul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
Braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a Nuvem de Calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

BARROS, Manuel. Ensaios Fotográficos. Record. Rio de Janeiro 2001

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